Duda Teixeira
Surgem novos indícios de que agentes do governo boliviano poderiam ter armado um falso golpe para incriminar a oposição; o juiz que julgaria o caso fugiu e ganhou refúgio político no Brasil.
Uma história rocambolesca paira sobre a Bolívia desde a madrugada de 16 de abril de 2009 e abre três hipóteses: ou um grupo de mercenários contratados por oposicionistas criminosos tramou matar o presidente Evo Morales – a versão oficial, cada vez mais cheia de dúvidas; ou agentes secretos detectaram o plano inicial deles e os traíram para uma armadilha; ou aarmação foi feita desde o começo, para simular um golpe e enfraquecer a oposição, caso em que a ação criminosa recairia sobre o governo. Naquela data, um grupo de policiais da posteriormente extinta tropa de elite boliviana, a Utarc, invadiu o hotel Lãs Américas, em Santa Cruz de La Sierra. Três homens foram mortos por reagir a tiros a operação, segundo aversão da polícia: um boliviano com nacionalidade húngara. Eduardo Rozsa Flores, um romeno e um irlandês. Rozsa era mercenário e tinha lutado ao lado dos croatas numa das guerras daex-Iugoslávia, nos anos 90. Outros dois estrangeiros foram presos no hotel. Segundo o governo, o grupo formava uma célula terrorista que planejava assassinar Morale3s. Trinta e nove nomes de oposição acabaram implicados no caso. As inconsistências foram flagradas desde o começo, mas sem uma investigação independente, com provas universalmente aceitas, é impossível ter certeza dos fatos reais. A tese da armação, evidentemente defendida pela oposição, ganhou reforço na semana passada, com a divulgação de um vídeo caso recebeu statusde refugiados políticos no Brasil.
No vídeo, Ignácio Villa Vargas, motorista de Rozsa e a principal testemunha a endossar a versão de complô oposicionista, aparece no banco traseiro de um carro recebendo 31.500 dólares do motorista. O pagante, aparentemente, é Carlos Nunez Del Prado, ex-funcionário da segurança de estado. Ao entregar o maço de dinheiro a Villa, diz a ele para sumir do país. Desdemaio de 2009 não se tem notícia do motorista. Se o vídeo for autêntico, pode-se concluir que o ex-empregado de Rozsa recebeu dinheiro para acusar a oposição de conspirar criminosamente contra Evo Morales. O juiz boliviano Luis Hernando Tapia Pachi não terá a chance de se pronunciar sobre a veracidade ou não das diferentes versões.
Considerando-se perseguido, ele fugiu para o Brasil e agora conseguiu o direito de refúgio, concedido pelo Comitê Nacional para os rEfugiados (Conare). A história do juiz: em meados doano passado, quando ia voltar para casa depois do trabalho, foi avisado por amigos de que três caminhonetes com o logo do Ministério do Interior estavam estacionadas do lado de eforado tribunal. Dentro delas, homens encapuzados e armados. Tapia deixou seu carro no estacionamento, escapou em outro veículo e cruzou a fronteira com o Brasil, só com a roupa do corpo – até hoje, continua a viver e a se trajar modestamente. O juiz demandava que o caso ficasse sob sua alçada, em Santa Cruz onde o incidente letal ocorreu, como manda a lei. Ele também entrou em conflito com o promotor escolhido pelo governo, Marcelo Soza. “Eles entravam nas casas com o rosto coberto, seqüestravam as pessoas e as levavam para a capital. Eraum abuso, um atropelo dos direitos civis”, diz Tapia, que denuncia também uma tentativa de seqüestro do filho de 14 anos e tiros de intimidação contra sua mulher.
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Evo Morales foi eleito e reeleito com a proposta de refundar o país sob uma plataforma indigenista e boliviana que provoca sérias divisões no país. Em cinco anos, cerca de 120 pessoas fugiram da Bolívia alegando perseguição política. Entre elas, o empresário Branko Marinkovic, um dos líderes oposicionistas de Santa Cruz acusados de contratar os mercenários. Apenas três horas depois da ação policial no hotel, o canal estatal boliviano mostrou imagens de Marinkovic e insinuou que ele encabeçava a trama contra Evo Morales.
“É evidente que o vídeo me difamando já estava pronto antes mesmo de ocorrer o atentado”, afirma Marinkvic, que em sua fuga já passo pelo Brasil e pelos Estados Unidos. Os indícios deuma armação tosca por parte de agentes do governo devem ser levado em consideração, com todos os cuidados necessários. Peritos independente que analisaram as fotos da cena do crime, por exemplo, concluíram que os tiros foram dados a curta distancia, de surpresa e sem que as vítimas tivessem possibilidade de defesa. Tampouco havia marcas de disparo nas paredes, como é usual quando acontece troca de tiros. Existem fotos anteriores ao episódio letal no hotel mostrando encontros regados a uísque entre Rózsa e homem que comandou aoperação para mata-lo. Se forem verdadeiras, pesará fortemente a favor da tese de que rozsa e seus companheiros foram atraídos com o objetivo específico de criar uma falsaconspiração.
Na falta de condições para uma investigação confiável e um julgamento imparcial, o correto seria acionar o Tribunal Penal Internacional de Haia. Nesse caso, o presidente boliviano poderiater de responder a quatro acusações: assassinato, prisão ou privação grave de liberdade físico tortura e perseguição por razões políticas. Diz Maristela Basso, professora de direito internacional na Universidade de São Paulo: “Se as evidencias estiverem corretas, Morales pode até se esquivar de uma condenação em um tribunal boliviano, mas não escaparia em umacorte internacional”. Essa possibilidade, evidentemente, é nula. Mas os três mortos no hotel Lãs Américas não vão desaparecer da biografia de Evo Morales enquanto não houver a devida e moralmente obrigatória explicação.
Veja – Brasil